segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Século XIX, França - As mulheres na indústria têxtil por Michelle Perrot


«As operárias do séc. XIX são essencialmente as empregadas das grandes fábricas de têxteis. Um mundo regido por homens, submetidas a um apertado comportamento moral onde lhes é vedada toda e qualquer reivindicação política – e que eram obrigadas a abandonar quando fundavam uma família. As fábricas eram um mundo também de solidão embora de relativa independência económica. Um mundo onde as operárias serão cada vez e, maior número e de algum modo geral consideradas como símbolo da sua emancipação.»



Século XIX, França - As mulheres na indústria têxtil
por Michelle Perrot
Le Temps de la lutte das classes: patrons et ouvriers français dans l’aventure industrielle, Tradução livre e resumo do texto publicado na revista L’Histoire Spécial, Janvier 1996, nº 195.
(Para o portal do Centro de Documentação e Arquivo Feminista Elina Guimarães, por Luísa de Paiva Boléo).
Michelle Perrot
Professora de História Contemporânea na Universidade de Paris VII - Jussieu. Publicou, entre outros «Grèves Feminines, les ouvriers en grève - France 1871-1890, 1974; «Jeunesse de la grève», 1984; dirigiu o tomo IV da «História da Vida Privada»; «Da Revolução à Grande Guerra», 1987. Coordenou, com Georges Duby «A História das Mulheres no Ocidente - da Antiguidade aos nossos dias (5 tomos, 1990-1992). No nº 160 da revista L' Histoire, publicou o artigo «Le XIX siècle était-il misogyne?»
Introdução
«As operárias do séc. XIX são essencialmente as empregadas das grandes fábricas de têxteis. Um mundo regido por homens, submetidas a um apertado comportamento moral onde lhes é vedada toda e qualquer reivindicação política – e que eram obrigadas a abandonar quando fundavam uma família. As fábricas eram um mundo também de solidão embora de relativa independência económica. Um mundo onde as operárias serão cada vez em maior número e, de algum modo geral, consideradas como símbolo da sua emancipação.»
A família e a indústria têxtil
Michelle Perrot pergunta como é que a industrialização em França contribuíu para mudar a vidas das mulheres e qual o seu contributo como mão-de-obra na produção industrial; quais as suas condições de vida e as relações entre os sexos e o que as fez evoluir.
A palavra operária só surgiu por volta de 1820. Michelet diz que “operária” é “palavra ímpia”; Jules Simon considera que uma operária não é uma mulher e Kafka com comiseração afirmou que as trabalhadoras de uma fábrica de amianto não eram “seres humanos”. Em suma, nos primórdios da Revolução Industrial, ser-se operária da indústria e feminina era uma relação conflituosa.
A proto-industrialização de Colbert no século XVII usava a mão-de-obra feminina inserida na família com tarefas específicas do seu sexo, antes da mecanização total da indústria têxtil. Em 1840 as mulheres e crianças eram 75% da mão-de-obra não esquecendo a força da tradição e da ligação das mulheres à feitura e tratamento da roupa de casa, que em termos portugueses diríamos “roupa branca” que englobava a roupa de baixo (da roupa de cor mais fina e não acessível a toda a população) e a roupa como lençóis, toalhas, panos de mesa, de cozinha, faixas para os bebés ou panos diversos destinados aos hospitais.[1]
Michelle Perrot recorda o ditado: «A l’homme, le bois e les métaux. A la femme, la famille e les tissus» (Ao homem a madeira e os metais, à mulher a família e os tecidos).
Apenas em 1841 surge uma lei que proibiu empregar crianças com menos de oito anos e a escolaridade obrigatória foi decretada em 1881. Com estas restrições na Grã-Bretanha, a partir de 1850 desce a percentagem de mulheres operárias, no entanto em França a percentagem sobe e em 1906 é de 36,2% e vai subindo nas indústrias química e metalúrgica.
O emprego das mulheres na indústria interferia com as suas vidas familiares. Uma operária fabril era primeiro uma dona de casa a quem cabia toda gestão da casa e do lar, os cuidados com as crianças, com o marido e todos os trabalhos domésticos. As operárias, depois do segundo filho (a natalidade manteve-se elevada em França nestas camadas operárias) e sem creches ou outros equipamentos semelhantes (os asilos eram escassos), acabam por abandonar o trabalho a tempo inteiro e recorrem a pequenos trabalhos como, tratar dos filhos de outras trabalhadoras, lavagem de roupa, etc., para manterem um «salário suplementar» que elas desejavam vivamente trazer para o orçamento familiar.
As operárias entravam normalmente aos dez ou doze anos para a fábrica, quase sempre depois da primeira comunhão e na maioria das vezes saíam entre os vinte e os vinte e cinco anos, porque a primazia era dada à constituição de uma família.
Normalmente os trabalhos que elas executavam nas fábricas não requeria aprendizagem específica e raramente podiam seguir uma «carreira», excepção feita na manufactura do tabaco, como indústria quase sempre estatal, onde uma determinada permanência lhes conferia uma reforma. Há uma outra excepção que Michelle Perrot frisa que é no campo da moda, onde certas mulheres fizeram carreira com sucesso.
Ora estas operárias têxteis além de mal pagas são facilmente despedidas e nos registos que se encontram não estão sequer divididas por categorias profissionais. A elas estão destinadas as tarefas mais elementares e mais sujas e quantas vezes são vítimas de abusos sexuais tanto na fábrica como nos trajectos de e para o local de trabalho. Elas têm menos benefícios porque se parte do princípio que terão uma família que as sustenta. Resumindo, a individualidade económica das mulheres não existe como não existe a sua individualidade política.
O modelo de fábrica-convento
Esta mão-de-obra jovem suscita os desejos dos homens e é vítima de assédio e de abusos sexuais, denunciado pelos movimentos operários que consideravam este novo patronato como um novo feudalismo (que vigorou nos tempos medievais por grande parte da Europa[2]) quando os contramestres se sentiam com o «droit de cuissage» (“direito de pernada”, isto é de terem relações com as virgens na sua condição de patrões ou senhores das terras onde estas nasciam e viviam). Nos pequenos jornais dos operários, em 1890, nomeadamente Le Forçat, La Chaine du forçat são constantemente denunciados esses abusos. Em 1905 a greve insurreccional de Limoges, teve como origem precisamente as vilanias do director da fábrica de porcelana Haviland.
Como funcionava afinal uma fábrica de mulheres?
Tratava-se de mulheres jovens ou viúvas rodeadas de homens com conhecimentos técnicos ou contramestres num local fechado e em constante proximidade, sem espaços neutros, sem vestiários e raramente com lavabos cujo uso era gerador de conflitos por ter um apertado regulamento. Reinava na fábrica uma disciplina estrita: era proibido falar, cantar, comer, sair do lugar, sair sem se ser substituída, usar sabão sem permissão do chefe, sob pena de despedimento. Atrasos ou absentismo eram severamente punidos. Entrava-se cedo e saía-se tarde. Há casos de fábricas que optaram por turnos com separação dos sexos porque a moralidade vigente obrigava a que na saída, eles e elas se não encontrassem e, muitas vezes, eram as próprias famílias a controlar as saídas.
No começo da industrialização, no entanto, há dados de que em Reims o magro salário obrigava algumas mulheres a fazer o “cinquième quart de journée”, isto é, a prostituírem-se. Para preservar a moralidade dos costumes com tantas jovens operárias, alguns patrões cristãos do sudoeste de França criaram as fábricas-internatos inspirados no modelo norte-americano de Lowell (Massachusetts.)
Estas primeiras fábricas com internato foram instaladas em Jujurieux (Ain) (Ródano-Alpes) e La Séauve (Alto Loire) e ensaiado nas fábricas de seda do sudoeste francês. Este sistema teve o seu apogeu por volta de 1880 e abrangia cerca de 100 000 jovens do sexo feminino que provinham de instituições de Assistência social (órfãs, sem família, etc.) e dos campos vizinhos e depois mesmo do Piemonte (Norte de Itália que faz fronteira com a França) onde uma rede de agentes recrutava essas jovens com atraentes promessas. Na zona de Lyon um pai com filhas era considerado um homem afortunado - com o dinheiro que elas recebiam, podiam pagar as suas dívidas e comprar terras. Pelo lado delas, podiam amealhar um pequeno dote o que lhes permitia casar. Por seu lado, os pais velavam pela boa reputação das filhas, o que afinal era vantajosa para toda a família.
No entanto essas fábricas impunham um horário de convento, quase de clausura. Trabalhavam doze a catorze horas por dia em silêncio, quantas vezes rezando. Os dormitórios possuíam uma capela e fora desses espaços eras-lhes interdito movimentarem-se. Aos domingos de manhã tinham missa e a todo o género de exercícios espirituais. Ao fim do dia davam um pequeno passeio ou ouviam leituras edificantes. Durante uns tempos só podiam ir a casa da família de seis em seis semanas, depois progressivamente ao sábado o que significava poderem trazer provisões para se alimentarem um pouco melhor.
Estas jovens operárias eram duplamente vigiadas: pelos contramestres laicos durante o trabalho fabril e por religiosas nas outras horas do dia e da noite. Foi assim durante o Segundo Império (com Napoleão III), porém, com a 3ª República (1870)[3] mais laica, há outra consciência de classe e surgem as greves, onde as mulheres são ainda uma minoria. Entre 1870-1890 os números são de 3,7% de mulheres para 35% de homens. As greves das mulheres reivindicavam primordialmente mais higiene, melhores condições de trabalho, com mais humanidade. As jovens grevistas da indústria da seda, em 1880 em Ardèche saíram das fábricas a cantar, faziam monos com as caras dos patrões que queimavam dançando em roda. Para estas jovens reprimidas, as greves revestiam-se de um cunho de fuga e de festa.
Seguiram-se uma série de greves de operárias da seda em Lyon (1869); Viena (1890); Troues (1900); Vizille e Voiron (1905-1906) e depois também das empregadas do tabaco e da indústria conserveira.
As grevistas de Lyon chamaram a atenção das responsáveis da 1ª Internacional que pensaram convidar a mentora da greve Filomena Rosália Rozan, o que se não concretizou.
Com a 1ª Guerra Mundial as mulheres passaram a trabalhar em fábricas dos chamados sectores viris como a metalurgia, os vidros ou a mecânica, podendo mesmo trabalhar em fábricas de produtos químicos e na indústria alimentar (conservas, açúcar ou bolachas). Muitas havia que trabalhavam em ateliers de costura que escapam à inspecção de trabalho. Marginalizadas no trabalho, eram-no também nos movimentos operários, com a exaltação da força física e da virilidade desportista.
O Caso Emma Couriau
A participação das mulheres nos sindicatos ressente-se na sua marginalidade, no entanto em 1913 dá-se o «Caso Emma Couriau». Tipógrafa em Lyon, casada com um operário da mesma fábrica viu ser-lhe recusada a adesão ao sindicato e o marido erradicado, também. As feministas tomaram o caso de Emma muito a peito e o assunto deu muito que falar, porém só com a intervenção da CGT (Confédération Générale du Travail, fundado em 1895) foi imposta a entrada de Emma no sindicato como tipógrafa e com a mesma designação usada para os homens. No entanto, o seu caso não foi gerador de mais igualdade na fábrica.
Depois da Grande Guerra a operária era uma das figuras possíveis da modernidade que uma outra, mais atraente, a da empregada, iria distanciar. Mais do que a oficina ou fábrica, o escritório tornar-se-ia num mundo de mulheres, ou talvez o mundo de mulheres com as suas ilusões e sonhos.
Luísa de Paiva Boléo
Carvoeira 2008-07-17
[1] Nota de Luísa P. Boléo
[2] Nota da tradutora
[3] Napoleão III funda o 2º Império que vigora de 1852 a 1879. Segue-se a 3ª República onde permanece no poder. Período de desenvolvimento económico.

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