segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A ascensão da burguesia

A burguesia não surgiu no século XIX, mas o seu lugar nas sociedades do Antigo Regime era, por vezes, subordinado; e as suas ambições últimas não podiam então realizar-se senão mediante o acesso à nobreza. Havia nesse tempo várias burguesias: a burguesia industrial ou de comércio que co-habitava com uma burguesia do serviço do Estado e uma burguesia de rendimentos. Apesar das frequentes troças das natas intelectuais, essa burguesia impôs no século XIX o seu pendão e os seus valores. Era liberal, socialmente conservadora, e preferia a poupança às despesas ostentatórias. Era a portadora da ideologia do progresso.
Só alguns burgueses tinham acesso a formas de responsabilidade e de poder que os faziam participar nos círculos superiores da sociedade. Esses grandes notáveis – banqueiros, donos de manufacturas, homens da política – depressa formaram – em duas ou três gerações – dinastias que souberam inventar estratégias que lhes permitissem perpetuar-se. Mas as mentalidades burguesas impregnavam a média e a pequena burguesia – essa middle class, essas novas camadas sociais cujo advento Gambetta anunciava. Deste modo – e nisso reside um dos segredos da sua força -, a burguesia europeia só no vértice é uma casta. Na sua ampla base, mergulha raízes nos meios populares urbanos – dos quais se alimenta, que enquadra e moraliza dando-lhe sempre a ilusão de continuar a ser uma categoria aberta.
Nos seus prédios novos das grandes cidades, as burguesias europeias criaram um estilo de existência: uma estrita vida de família, embora só às mulheres imponha restrições. Um «interior» mantido por pessoal doméstico para que nele se respire o desafogo e também a respeitabilidade e a decência – pilares de uma moral burguesa que tanto se pode basear numa inspiração cristã como numa inspiração laica. O século XIX foi o tempo da estabilidade monetária. As riquezas burguesas podiam transmitir-se intactas de uma geração a outra. A poupança era, nesse tempo, uma virtude. As burguesias, liberais por essência, eram solicitadas por duas tendências contraditórias: o desejo de manter o adquirido – e aí estava a tentação de viver de rendimentos – e o desejo de inovar e criar – e aí estava a tentação conquistadora. Assim se explicam as duas imagens antagonistas da burguesia – descrita umas vezes como saciada e satisfeita e outras como imaginativa e progressista. O fundamental liberalismo da burguesia é que, decerto, no permite compreender essa aparente ambiguidade.


BORNE, Dominique, “A Europa Dominante (1789-1914)”, in História da Europa, dir. de Jean Carpentier e François Lebrun, Referência/Editorial Estampa, pp. 322-323

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