sábado, 22 de outubro de 2011

GÊNERO: UMA QUESTÃO FEMININA?



GÊNERO: UMA QUESTÃO FEMININA?

* Lúcia Cortes da Costa
Podemos começar nossa reflexão discutindo porque as questões relativas as mulheres são tratadas sob o termo de Gênero? O termo Gênero foi um conceito construído socialmente buscando compreender as relações estabelecidas entre os homens e as mulheres, os papéis que cada um assume na sociedade e as relações de poder estabelecidas entre eles.

No mundo onde vivemos existem três reinos: o reino animal, o reino vegetal e o reino mineral. No reino animal, os seres sexuados dividem-se em machos e fêmeas. As diferenças sexuais são baseadas nas diferenças biológicas. O organismo do macho é diferente do da fêmea. Essa diferença natural também marca o desenvolvimento da espécie humana

Na espécie humana temos o ser masculino e o ser feminino. A reprodução da espécie humana só pode acontecer com a participação desses dois seres. Para perpetuar a espécie, os homens e as mulheres foram criando uma relação de convivência permanente e constante. Surgiu com o desenvolvimento da espécie humana, a sociedade humana.

A sociedade humana é histórica, muda conforme o padrão de desenvolvimento da produção, dos valores e normas sociais. Assim, desde que o homem começou a produzir seus alimentos, nas sociedade agrícolas do período neolítico (entre 8.000 a 4.000 anos atrás), começaram a definir papéis para os homens e para as mulheres.

Nas sociedades agrícolas já havia a divisão sexual do trabalho, marcada desde sempre pela capacidade reprodutora da mulher, o fato de gerar o filho e de amamentá-lo. O aprendizado da atividade de cuidar foi sendo desenvolvido como uma tarefa da mulher, embora ela também participasse do trabalho do cultivo e da criação de animais.

Surgem as sociedade humanas, divididas em clãs, em tribos e aldeias. Na fase pré-capitalista o modelo de família era multigeracional e todos trabalhavam numa mesma unidade econômica de produção. O mundo do trabalho e o mundo doméstico eram coincidentes.

A função de reprodutora da espécie, que cabe à mulher, favoreceu a sua subordinação ao homem. A mulher foi sendo considerada mais frágil e incapaz para assumir a direção e chefia do grupo familiar. O homem, associado a idéia de autoridade devido a sua força física e poder de mando, assumiu o poder dentro da sociedade. Assim, surgiram as sociedades patriarcais, fundadas no poder do homem, do chefe de família.

A idéia de posse dos bens e a garantia da herança dela para as gerações futuras, levou o homem a interessar-se pela paternidade. Assim, a sexualidade da mulher foi sendo cada vez mais submetida aos interesses do homem, tanto no repasse dos bens materiais, através da herança, como na reprodução da sua linhagem. A mulher passou a ser do homem, como forma dele perpetuar-se através da descendência. A função da mulher foi sendo restrita ao mundo doméstico, submissa ao homem.

As sociedades patriarcais permaneceram ao longo dos tempos, mesmo na sociedade industrial. Porém, nas sociedades industriais o mundo do trabalho se divide do mundo doméstico. As famílias multigeracionais vão desaparecendo e forma-se a família nuclear (pai, mãe e filhos). Permanece o poder patriarcal na família, mas a mulher das camadas populares foi submetida ao trabalho fabril. No século XVIII e XIX o abandono do lar pela mães que trabalhavam nas fábricas levou a sérias conseqüências para a vida das crianças. A desestruturação dos laços familiar, das camadas trabalhadoras e os vícios decorrentes do ambiente de trabalho promíscuo fez crescer os conflitos sociais.

A revolução industrial incorporou o trabalho da mulher no mundo da fábrica, separou o trabalho doméstico do trabalho remunerado fora do lar. A mulher foi incorporada subalternamente ao trabalho fabril. Em fases de ampliação da produção se incorporava a mão de obra feminina junto à masculina, nas fases de crise substituía-se o trabalho masculino pelo trabalho da mulher, porque o trabalho da mulher era mais barato. As lutas entre homens e mulheres trabalhadoras estão presentes em todo o processo da revolução industrial. Os homens substituídos pelas mulheres na produção fabril acusavam-nas de roubarem seus postos de trabalho. A luta contra o sistema capitalista de produção aparecia permeada pela questão de gênero. A questão de gênero colocava-se como um ponto de impasse na consciência de classe do trabalhador.

Assim, nasceu a luta das mulheres por melhores condições de trabalho. Já no século XIX havia movimento de mulheres reivindicando direitos trabalhistas, igualdade de jornada de trabalho para homens e mulheres e o direito de voto.

Ao ser incorporada ao mundo do trabalho fabril a mulher passou a ter uma dupla jornada de trabalho. A ela cabia cuidar da prole, dos afazeres domésticos e também do trabalho remunerado. As mulheres pobres sempre trabalharam. A remuneração do trabalho da mulher sempre foi inferior ao do homem. A dificuldade de cuidar da prole levou as mulheres a reivindicarem por escolas, creches e pelo direito da maternidade.

Na sociedade capitalista persistiu o argumento da diferença biológica como base para a desigualdade entre homens e mulheres. A mulheres eram vistas como menos capazes que os homens. Na sociedade capitalista o direito de propriedade passou a ser o ponto central, assim, a origem da prole passou a ser controlada de forma mais rigorosa, levando a desenvolver uma série de restrições a sexualidade da mulher. Cada vez mais o corpo da mulher pertencia ao homem, seu marido e senhor. O adultério era crime gravíssimo, pois colocava em perigo a legitimidade da prole como herdeira da propriedade do homem.

No século XX as mulheres começaram uma luta organizada em defesa de seus direitos. A luta das mulheres contra as formas de opressão a que eram submetidas foi denominada de feminismo e a organização das mulheres em prol de melhorias na infra-estrutura social foi conhecida como movimento de mulheres. A luta feminina também tem divisões dentro dela. Os valores morais impostos às mulheres durante muito tempo, dificultaram a luta pelo direito de igualdade. As mulheres que assumiram o movimento feminista foram vistas como "mal amadas" e discriminadas pelos homens e também pelas mulheres que aceitavam o seu papel de submissas na sociedade patriarcal.

A luta feminina é uma busca de construir novos valores sociais, nova moral e nova cultura. É uma luta pela democracia, que deve nascer da igualdade entre homens e mulheres e evoluir para a igualdade entre todos os homens, suprimindo as desigualdades de classe.

Após a década de 1940 cresceu a incorporação da força de trabalho feminina no mercado de trabalho, havendo uma diversificação do tipo de ocupações assumidas pelas mulheres. Porém, no Brasil, foi na década de 1970 que a mulher passou a ingressar de forma mais acentuada no mercado de trabalho. A mulher ainda ocupa as atividades relacionadas aos serviços de cuidar (nos hospitais, a maioria das mulheres são enfermeiras e atendentes, são professoras, educadoras em creches), serviços domésticos(ser doméstica), comerciárias e uma pequena parcela na indústria e na agricultura.

No final dos anos 1970 surgem movimentos sindicais e movimentos feministas no Brasil. A desigualdade de classe juntou os dois sexos na luta por melhores condições de vida. O movimento sindical começou a assumir a luta pelos direitos da mulher. Na década de 1980, quando nasceu a CUT, a bandeira das mulheres ganhou mais visibilidade dentro do movimento sindical. Surgiu na década de 1980 a Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora, na CUT.

A luta pela democratização das relações de gênero persistiu e com a Constituição Federal de 1988 a mulher conquistou a igualdade jurídica. O homem deixou de ser o chefe da família e a mulher passou a ser considerada um ser tão capaz quanto o homem.

Na década de 1990, no Brasil, a classe trabalhadora enfrentou o problema da desestrutração do mercado de trabalho, da redução do salário e da precarização do emprego. As mulheres são as mais atingidas pela precarização do trabalho e pela gravidade da falta de investimentos em equipamentos sociais (creches, escolas, hospitais). Embora sejam mais empregáveis que os homens, isso decorre da persistente desigualdade da remuneração do trabalho da mulher. A mulher passou a ter um nível educacional igual e as vezes até superior ao do homem, porque como enfrenta o preconceito no mundo do trabalho, ela deve se mostrar mais preparada e com maior escolarização para ocupar cargos que ainda são subalternos.

Os critérios de contratação das mulheres no mundo do trabalho estão impregnados pela imagem da mulher construída pela mídia e colocada como padrão de beleza. O empregador ainda busca a moça de "boa aparência". Assim, as mulheres sofrem dupla pressão no mercado de trabalho, a exigência de qualificação profissional e da aparência física. O assédio sexual ainda é uma realidade para a mulher no mundo do trabalho, isso decorre da própria cultura patriarcal que foi colocando o homem como o senhor do corpo da mulher.

Apesar de tantas dificuldades as mulheres conquistaram um espaço de respeito dentro da sociedade. As relações ainda não são de igualdade e harmonia entre os gênero feminino e o masculino. O homem ainda atribui à mulher a dupla jornada, já que o lar é sua responsabilidade, mas muitos valores sobre as mulheres já estão mudando. O homem também está em conflito com o papel que foi construído socialmente para ele, hoje ser homem não é nada fácil, pois as mulheres passaram a exigir dele um novo comportamento que ele ainda está construindo.

Quando a igualdade de gênero se coloca, cresce o espaço da democracia dentro da espécie humana. A democratização efetiva da sociedade humana passa pela discussão das relações de gênero, neste sentido a luta das mulheres não está relacionada apenas aos seus interesses imediatos, mas aos interesses gerais da humanidade.

BIBLIOGRAFIA:

BESSA, Karla Adriana Martins (ORG). Trajetórias do Gênero, masculinidades... Cadernos PAGU. Núcleo de Estudos de Gênero. UNICAMP. Campinas, São Paulo. 1998.

MURARO, Rose Marie. Sexualidade da mulher brasileira. Corpo e Classe social no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1983.

In   http://www.uepg.br/nupes/Genero.htm

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Mulheres republicanas: Adelaide Cabete


Adelaide Cabete (1867-1935)
Uma Professora Feminista



"Esse dia 4 de Outubro de 1910 foi cheio de mil sobressaltos e incertezas, e tão longo, que me areceu um ano.
Essa noite foi triste e lúgrube, e tão longa, tão longa que me pareceu um século.
Durante todo esse dia se ouviu o ribombar da artilharia, ora próxima, ora longínquo, como o crepitar de armas de fogo. "

Adelaide Cabete

Ver também AQUI

Mulheres na implantação da República?

Neste quadro da República da autoriade Roque Gameiro, Ana de Castro Osório é a única republicana em meio a uma multidão masculina

"Mulheres na implantação da República? É curioso que a imagem que eu tenho da República é só de homens vestidos de preto e com aqueles chapéus enormes na cabeça, Talvez tenha a ver com um quadro que, desde a infância, eu vi na mercearia da minha terra (Braga).  únca mulher era a própria República, de mamas ao léu.
A minha avó não gostava nada do quadro e chegou  dizer ao merceeiro para o retirar dalí."

José Leon Machado à autora, Abril 2010 (in As Mulheres na Implantação da República) de Fina Machado p. 210. Esquilo

domingo, 2 de janeiro de 2011

Educação burguesa no seculo XIX

 

Entre quatro paredes
Espelhando-se na nobreza, a elite não queria saber de escola: seus filhos eram educados em casa por preceptoras rigorosas. De preferência, estrangeiras
Maria Celi Chaves de Vasconcelos
O que vai pela cabeça das nossas crianças? Houve um tempo em que a resposta a essa dúvida não estava apenas na família, muito menos na escola. Quem quisesse entender os hábitos e a visão de mundo dos brasileiros no século XIX, deveria prestar atenção a outra figura fundamental naquele período: a preceptora.

Dos brasileiros abastados, é claro. Sob a proteção de Sant’Ana, muitas mulheres letradas, principalmente estrangeiras, obtinham seu sustento trabalhando como educadoras dos filhos da elite. Contratá-las era uma prática comum entre os ricos do Brasil, copiada de tradicional costume da nobreza européia na educação de seus jovens fidalgos. As preceptoras residiam na casa de seus alunos, acompanhando-os não só nas lições diárias, mas também em atividades cotidianas, como missas, passeios e outros afazeres. Já os chamados professores particulares visitavam as casas dos estudantes semanalmente, ministrando aulas de primeiras letras ou de disciplinas específicas.

A vinda da família real e da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, impulsionou a criação de instituições de ensino no país. Mas isso não chegou a seduzir uma elite que via a educação como algo dispensável e, às vezes, até pecaminoso, particularmente para as mulheres, pois acreditava-se que a “doutorice” feminina as desviava do destino natural de se tornarem mães de família, inteiramente dedicadas à casa e aos filhos, comprometendo a obediência aos maridos e pais.  Além disso, as escolas públicas eram poucas e a qualidade do ensino, duvidosa. Pior do que isso para aqueles pais era constatar que as escolas permitiam a mistura de crianças e jovens de categorias sociais diferentes. Temiam a possibilidade de surgirem laços de amizade entre seus filhos e colegas desfavorecidos. Some-se a isso o fato de que a educação nas escolas implicava, obviamente, a divisão dos alunos em classes e o ensino coletivo. Essa proposta era bastante polêmica. Considerava-se que a uniformidade do conteúdo poderia ter nefastas conseqüências intelectuais. Como todos tinham que acompanhar o mesmo ritmo, o ensino inevitavelmente se nivelaria por baixo, para ajustar-se “ao talento e viveza do mais indolente e estúpido da classe”, afirmava em 1788 um articulista anônimo do Jornal enciclopédico, publicado em Portugal.

E se os nobres portugueses educavam seus filhos em casa, por que os endinheirados da terra não haveriam de fazê-lo?

A maneira mais usual para a contratação de preceptoras e professores particulares era por meio de anúncios publicados nos jornais. Famílias solicitavam os serviços de mestres para a educação doméstica, e os próprios mestres ofereciam seus préstimos. Dos candidatos era exigido que tivessem excelente conduta, independência da família, e que fossem solteiros. Contava também a posição social e a fortuna dos patrões para os quais já houvessem trabalhado. Excelente referência era ter ensinado “em casa de uma respeitável família brasileira”, ou mesmo em “casas de família nobre”. A experiência na função de preceptora era outro atrativo para os que buscavam esses serviços: quanto maior a idade, mais adequadas eram as candidatas – levando-se em conta que a faixa etária a partir dos 30 anos já era vista como “meia-idade”.

No princípio, as mulheres disputavam com os homens as mesmas possibilidades de atuação como preceptores, mas a partir da década de 1860 elas começaram a predominar na educação doméstica. Isso se devia à própria natureza das funções exercidas pelos preceptores, uma vez que precisavam residir com as famílias de seus alunos, entrando na intimidade das casas senhoriais, condições mais apropriadas a uma atuação feminina do que masculina.

Abria-se, assim, um campo privilegiado para mulheres estrangeiras, principalmente as alemãs, francesas e suíças. O fato de virem de países “civilizados” dava-lhes certa credibilidade, pois pareciam mais lúcidas e conhecedoras de inovações e tendências ainda não divulgadas longe das grandes metrópoles européias. Também eram bem-vistas as brasileiras que acabavam de chegar da Europa e as que tinham fluência em idiomas. Algumas delas eram filhas bastardas que haviam recebido a formação como herança, já que os pais não poderiam assumi-las publicamente. Esse era o caso de Martha de Vasconcellos, personagem central do conto A preceptora, de Maria Amália Vaz de Carvalho, escrito em 1905, no qual a origem da preceptora portuguesa era assim descrita: “O pai de Martha era casado, tinha filhos, vivia para sempre longe dela nas tranqüilas alegrias da família, uma família em que ela só podia ser a intrusa! Desde esse dia, Martha estudou com dobrado afinco, aprendeu com uma ânsia dolorosa, com um não sei quê de impaciência inexplicada” (p. 208-209).

As estrangeiras eram conhecidas por seu rigor em ensinar os pupilos. Algumas, intitulando-se adeptas de Rousseau, chegavam a submeter as crianças a atitudes de extrema perversidade. Muitas tinham como instrumentos de trabalho a “palmatória de páo”, “a vara de marmeleiro” e as “correias”. Os pais sabiam o que ocorria, mas de algum modo todos os excessos eram justificados pela teoria, na época inquestionável, de que “as crianças são difíceis e são necessários governantas e preceptores para educá-las, mas, sobretudo, para torná-las grandes pessoas”. Atos violentos eram aceitos como “bons princípios pedagógicos”, como descreve Sofie Deroisin em seu livro Petites filles d’autrefois (1997).

Os conhecimentos ensinados pela preceptora deveriam atender aos desejos da família que a contratava. Eram os pais que escolhiam, entre as matérias consideradas de educação, aquelas mais adequadas aos seus interesses para que fossem ministradas aos seus filhos.

Excetuando-se o português e o francês, que quase sempre estavam presentes nas lições oferecidas, os demais conhecimentos ensinados variavam entre a escrita, a leitura e contas, latim, inglês, alemão, italiano, espanhol, caligrafia, literatura, composição, religião, música, piano, gramática portuguesa, latina, francesa e inglesa, lógica, matemática, geometria, aritmética, álgebra, História do Brasil, geografia, desenho, pintura e aquarela. Para as meninas, havia habilidades específicas a serem ensinadas, como bordar, costurar, marcar, cortar, dançar, além de outros trabalhos manuais.

A duração dessa forma de educação era variada. O próprio mestre costumava atestar quando o aluno já estava apto a prestar os exames preparatórios para o curso secundário. Em outros casos, era a família que decidia quando era chegada a hora de dispensar os serviços do mestre, como fez a viscondessa do Arcozelo, que em 1887 abriu mão dos ensinamentos da preceptora para enviar seus filhos a uma escola em Paty do Alferes. Não foi um caso isolado. As elites começavam a cogitar a possibilidade de enviar seus filhos para colégios particulares ou estabelecimentos de ensino oficiais. Isso ocorria porque a propaganda atrelada ao movimento republicano e a legislação cada vez mais impunham a interferência do Estado na educação, por meio do controle das licenças concedidas aos professores e da discussão sobre a liberdade do ensino. Mas mesmo aqueles cujos filhos freqüentavam algum colégio, ou aqueles que os educavam eles próprios, em determinado momento recorriam aos serviços de uma preceptora.

Por outro lado, com a multiplicação dos anúncios de educação doméstica nos jornais, o serviço começou a ficar mais acessível às classes intermediárias. Na Europa, isso ocorria desde o século XVIII: o ensino em casa deixara de ser privilégio das crianças nobres para se tornar uma prática recorrente entre ricos comerciantes, altos funcionários e famílias de elite que se espelhavam nos hábitos da aristocracia. Esse movimento pela educação das crianças – a fim de que se preparassem melhor para a vida adulta ou, no caso dos meninos, para a ocupação das funções prioritárias na sociedade – era uma medida de progresso e ascensão social.

A função de preceptora era uma das poucas profissões aceitas e admitidas para mulheres que, sem ajuda financeira da família, precisavam de um trabalho fora de suas casas. Mesmo assim, somente aquelas que haviam recebido algum tipo de educação é que podiam candidatar-se a essa atividade, pois inúmeros conhecimentos eram exigidos pelos pais ávidos por criar seus filhos à semelhança da nobreza. Por “educarem” os filhos das elites, dominarem diversas áreas do saber e ocuparem um cargo ambicionado por estrangeiros que vinham para o Brasil, as preceptoras tinham lugar privilegiado nas estruturas sociais de sua época. Mas caminhavam num limiar muito tênue, entre o respeito à sua posição social e a imagem de empregadas das elites, tratadas como tal por seus senhores.

O contrato feito entre os pais e as preceptoras era informal, normalmente fruto de acordo verbal, sendo muito freqüentes a rotatividade e a descontinuidade desses serviços, com a dispensa das mestras a qualquer tempo, ou com as mesmas declinando da função. Se isso podia ser motivo de instabilidade e insatisfação, para algumas educadoras representava verdadeiro alívio. A alemã Ina Von Binzer, que veio para o Brasil em 1881, contratada para ser preceptora dos filhos de um grande fazendeiro na Província do Rio de Janeiro, foi uma delas: “É verdadeira sorte não se firmarem contratos aqui, nem se multarem as rescisões (...), podemos pelo menos fazer nossa trouxa quando julgamos que é demais”.

Maria Celi Chaves Vasconcelos é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e autora do livro A casa e os seus mestres: a educação no Brasil de Oitocentos (Ed. Gryphus, 2005).


Saiba Mais - Bibliografia:

ARAÚJO, H. C. Pioneiras na educação, as professoras primárias na viragem do século 1870-1933. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 2000.
BINZER, Ina Von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
MONTEIRO, M.C. Sombra errante: a preceptora na narrativa inglesa do século XIX. Niterói: EdUFF, 2000.